1964 – “Caminhando”
"Caminhando” é o nome que dei à minha última proposição. A partir daí, atribuo uma importância absoluta ao ato imanente realizado pelo participante. O “Caminhando” tem todas as possibilidades ligadas à ação em si: ele permite a escolha, o imprevisível, a transformação de uma virtualidade em um empreendimento concreto.
Faça você mesmo um “Caminhando” com a faixa branca de papel que envolve o livro, corte-a na largura, torça-a e cole-a de maneira a obter uma fita de Moebius. Tome então uma tesoura, enfie uma ponta na superfície e corte continuadamente no sentido do comprimento. Tenha cuidado para não cair na parte já cortada – o que separaria a fita em dois pedaços. Quando você tiver dado a volta na fita de Moebius, escolha entre cortar à direita e cortar à esquerda do corte já feito. Essa noção de escolha é decisiva e nela reside o único sentido dessa experiência. A obra é o seu ato. À medida em que se corta a fita, ela se afina e se desdobra em entrelaçamentos. No fim, o caminho é tão estreito que não pode mais ser aberto. É o fim do atalho.
(Se eu utilizo uma fita de Moebius para essa experiência é porque ela quebra os nossos hábitos espaciais: direita–esquerda, anverso-reverso etc. Ela nos faz viver a experiência de um tempo sem limite e de um espaço contínuo).
Cada “Caminhando” é uma realidade imanente que se revela em sua totalidade durante o tempo de expressão do espectador-autor.
Inicialmente, o “Caminhando” é apenas uma potencialidade. Vocês e ele formarão uma realidade única, total, existencial. Nenhuma separação entre sujeito-objeto. É um corpo-a-corpo, uma fusão. As diversas respostas surgirão de sua escolha.
À relação dualista entre o homem e o “Bicho” que caracterizava as experiências precedentes, sucede um novo tipo de fusão. Em sendo a obra o ato de fazer, você e ela tornam-se totalmente indissociáveis.
Existe apenas um tipo de duração: o ato. O ato é que produz o “Caminhando”. Nada existe e nada depois.
Sempre que inicio uma nova fase de meu trabalho, sinto todos os sintomas da gravidez. E logo que a gestação começa, sofro verdadeiras perturbações físicas como a vertigem, por exemplo, até o momento em que consigo a afirmar meu novo espaço-tempo no mundo. Isso acontece na medida em que chego ao ponto de identificar, reconhecer essa nova expressão de minha obra em meu dia-a-dia. O “Caminhando”, por exemplo, só passou a ter sentido para mim quando, atravessando o campo de trem, senti cada fragmento da paisagem como uma totalidade no tempo, uma totalidade sendo, se fazendo sob meus olhos, na imanência do momento. Era o momento a coisa decisiva.
Outra vez, contemplando a fumaça do meu cigarro, senti como se o próprio tempo fizesse incessantemente seu próprio caminho, se aniquilando e se refazendo em um ritmo contínuo... Já experimentei isso no amor, nos meus gestos. E cada vez que a expressão “caminhando” surge na conversa, nasce em mim um verdadeiro espaço e me integro no mundo. Sinto-me salva.
Penso também que minhas tentativas arquiteturais, nascidas ao mesmo tempo que o “Caminhando”, queriam ser uma ligação com o mundo coletivo. Tratava-se de criar um espaço-tempo novo, concreto - não apenas para mim, mas também para os outros.
Fazendo essas arquiteturas, senti um grande cansaço, como se tivesse trabalhado toda uma vida. Um cansaço provocado pela absorção de uma nova experiência. Daí, algumas vezes, essa nostalgia de ser uma pedra úmida, um ser-pedra, à sombra de uma árvore, à margem do tempo.