Como a literatura poderia se expressar dentro deste novo conceito “arte sem arte” e do ato-gesto, momento imediato mas que deve transcender este mesmo momento e ato? O leitor, deve ter uma participação ativa dentro da história. O romancista pode fazer o papel de catalizador de idéias, que deverão ser completadas por cada um que o lê. Isto aparentemente seria despersonalizar-se e toda uma coletividade, pois ele terá que abdicar da sua própria personalidade e deixar de jogar com dados singulares. A história é qualquer história, o herói não existe, pois deve ter uma abertura para que todos possam vir a ser este herói. É apresentar uma amálgama de possibilidades onde cada indivíduo que a lê, possa se encontrar dentro do contexto (importância da arte informal). Aí o leitor se apercebe da sua individualidade pois ele se projeta dentro do contexto que é abstrato e se encontrando aí toma consciência de que ele é uma gota mínima participante, entre milhares de individualidades, mas ele tem opção, pois ele é um singular dentro desta diferenciação. Então é ascenção do “vazio-pleno” de significado sem o estado singular da diferenciação já especificada. O leitor, cai na sua órbita mas dentro de uma órbita geral. O romancista abdica do seu estado singular, da sua visão do mundo e da sua experiência. Ele, neste processo, se identifica com o coletivo pois ele toma consciência de que todos os nomes que existem estão circunscritos pelo círculo de letras que conhecemos desde o A até o Z. Que temos o mesmo corpo humano, os mesmos sentidos. Que todos moramos, vivemos, comemos, fazemos amor, amamos, odiamos, morremos. Um cemitério é o anonimato pois, se uma sepultura faz sentido para nós, é somente porque nela está enterrada um pedaço da nossa afetividade, mas para os mortos, o vizinho é ele mesmo.
É o mesmo problema da poética que esta em nós e é transferida para um determinado objeto, pessoa, ou para uma visão pessoal do mundo. Urge despertar esta poética no leitor e que ele se aperceba que está nele e não no outro o significado do mundo. É levá-lo a debruçar-se sobre o seu “vazio-pleno” na sua potencialidade do seu estar-sendo. É a mão que o romancista estende como uma ponte mas até o começo da travessia. O resto do trajeto deve ser percorrido pelo anônimo que adquire a consciência do “seu eu” e passa a ser o singular. Esta consciência deve lhe dar o novo sentido de responsabilidade e da opção. Se ele é um João qualquer, ele quando se volta para dentro do seu vazio percebe que é um João especial, pois existe o seu eu, que é feito por este mesmo João Batista de Oliveira, que teve por mãe uma Batista e por pai um Oliveira. O romancista faz, pois, um jogo tão orgânico como uma tapeçaria. Há uma estrutura que precede toda a existência mas existe porque esta existência está optando e fazendo o seu próprio ponto. É o avesso de todo o conceito da fatalidade, o avesso também de toda a despersonalização da não opção. É preciso de dar ao João a possibilidade da sua opção que ele só terá através da consciencialização de que existe e é uma pessoa “singular”. O romancista, pois deve jogar com todos os elementos banais que ligam todas as coisas e são comuns a todo o mundo. Ele não tem mais o direito de dar o seu conceito ético, a sua verdade. Maneira cômoda, ópio, que substitui toda a responsabilidade do ser. Antigamente, ele escrevia sobre o vizinho e acredito que fosse até agradável fazer um romance. Depois na minha ignorância acredito que deve havido uma introjeção do “seu eu” até o ponto do seu dilaceramento total pois ele passou a ser muito mais profundamente ele e o problema dele se transcender, era já uma expressão de um grande dilaceramento. Mas, agora, nem isto serve mais a meu ver. A idéia vai ser dele, mas a expressão será do outro. Ele pois esta transformando neste vazio pleno de significado de todo o coletivo, não dele mais. É a superação de si próprio. Elementos comuns: nomes, ruas, números, moradias, sentidos sem a especificação do mesmo numa determinada situação. Talvez, no fundo seja jogar com objetos que estão fora do alcance do contexto expressivo interior (seria o pop art na literatura?). Objetos reais, palpáveis, de uso pratico, órgãos na sua primeira função. Então começo a perceber a importância do pop art, pois o homem se apercebe que esta poética está nele e não no objeto que, antes do seu habitat, não lhe aportava nada de sentido expressivo poético. É uma maneira de jogá-lo no vazio até um certo ponto. Depois viria a atuação direta do homem no seu vazio interior, isto, através da opção. Acontece na vida depois de se ter consciência do objeto já poetizado do artista que nos revela esta nova expressividade. Mas, ainda há uma projeção não só da vida especifica do artista, como também do suporte dado pelo mesmo ao homem. Neste ponto, é que o pop art é uma expressão passada, sem um novo sentido da opção individual que lhe propõe o “vazio-pleno” de possibilidades. O artista plástico pois, tem que cair na idéia mas dando a possibilidade do espectador descobrir sua própria expressividade interior. Seria um “caminhando” em que o reporta ao gesto imediato expressivo com um profundo significado de ordem interior. Caio outra vez no ato. Então, para o romancista ainda deve ter outra maneira diferente da expressão pop art. O “caminhando” no sentido da literatura, seria uma estrutura abstrata geral, sem o conteúdo definido mas trazendo a potencialidade de ser preenchida pelo espectador. Não é ele, o espectador, se reconhecer nas elucubrações mentais expressivas do herói, pois, aí é ainda a projeção, nem ele se reconhecer no próprio romancista que, neste caso, seria o herói já como idéia mais próximo da expressão contemporânea. Seria ele, através da abertura dada pelo romancista, se encontrar sozinho e ter consciência do ato, como opção. Seria reportá-lo no que há de mais imediato, fazendo-o sentir que ele escolhe e acontece a cada minuto. A priori não há nada em nome de Deus, em nome de normas sociais, em nome de julgamentos futuros: ele é o grande solitário na escala do humano e é ele e está nele, todas as potencialidades do ser-sendo. Em suma, talvez seja a maneira de apontá-lo de frente de perfil e tirar este mesmo conceito do seu avesso que não existe na medida em que ele se apercebe da sua totalidade. Enquanto o romancista ainda criava dentro cada vez mais do seu sentido próprio, de sua experiência no mundo, ele ainda criava à sua imagem e semelhança como Deus. No momento em que ele abdica de toda a sua individualidade ele vai ajudar ao outro a criar à sua própria imagem e por conseguinte o sentido do mundo que esta imagem lhe confere. Elaboração da maior importância pois, contrapõe a toda esta perda de individualidade que é a característica de nossa época. Se por um lado, ao homem contemporâneo esta falta de individualidade lhe é oferecida, por outro lado, a percepção deste encontro lhe é oferecida pelo artista. Neste ponto é que o artista se dissolve no mundo. Ele, o artista, passa a ser o objeto que per si não tem expressividade sendo esta dada pelos outros através da percepção oferecida pelo mesmo. Quantos artistas poderão aguentar este estado singular sem sentir o dilaceramento total, o vazio que é o poço onde a pedra vai ser lançada com toda a sonoridade e dentro de um tempo indeterminado expresso pelo outro, que não é ele? Ele passa a ser o próprio poço onde a pedra vai expressar um determinado tempo que é o próprio som expressivo mas esta pedra e este som, já lhe são elementos estranhos e externos. Então seria preciso o artista abdicar do seu estado criativo para que sobre o seu passem vitoriosos os anônimos numa grande dança eufórica do encontro final? Seria a destruição destes mesmos artistas que sabem que agora não tem nada a oferecer senão o estado singular da “arte sem arte”?