Lygia Clark

Acervo

Publicação

Lygia Clark busca na pintura a expressão do próprio espaço.

Tipo de documento
PeriódicoTipo de documento
EntrevistaTipo de documento
Forma de registro
ImpressãoTécnica
Idioma
Local (cidade/país)
Data aproximada
Setembro 1958
Descrição
Entrevista com Lygia Clark publicada pelo jornal Folha da Noite por ocasião da exposição de inauguração da Mostra "Lygia Clark, Franz Weissmann e Lothar Charoux", realizada na Galeria de Arte das Folhas.
Data início
22.09.1958
Organização
Folha da NoiteOrganização
Autor(a)
Transcrição texto

LIGIA CLARK BUSCA NA PINTURA A EXPRESSÃO DO PRÓPRIO ESPAÇO

A inauguração da nova mostra da Galeria de Arte das FOLHAS, marcada para amanhã, às 18 h e 30, trará ao público paulistano a oportunidade de entrar em contacto com os trabalhos da artista Ligia Clark , pessoa que está realizando uma das mais revolucionárias experiências nas vanguardas das artes plásticas e que já sentiu a repercussão de suas obras internacionalmente. A artista, nascida em belo Horizonte e radicada no Rio de Janeiro, concedeu uma entrevista às FOLHAS ocasião em que relatou pormenorizadamente a seqüência de estudos e experiências que tem realizado no campo das artes plásticas. Seus trabalhos estarão no recinto da Galeria das FOLHAS simultaneamente com obras do pintor Lothar Charoux e do escultor Franz Weissmann. Os três artistas concorrerão ao prêmio Leirner de Arte Contemporânea para 1958. 

A LINHA ESPAÇO

Foi uma experiência que começou em 1954, na observação de uma linha de contacto de dois tons contrastantes, numa colagem. Opasse-partoux colorido era exatamente uma das cores da colagem. Observei que, no momento em que havia o contraste entre a cor da colagem e a do passe-partoux, a linha estava sendo integrada, absorvida, desaparecia enquanto que, no outro pedaço, em que não havia o contraste, onde as cores coincidiam ela (a linha) não só continuava a aparecer mas, como eu viria a constatar mais tarde, era umalinha espaço. Chamei a esta linha linha orgânica pois ela existia em si, não era uma linha desenhada, gráfica, e possuía possibilidades intrínsecas a ela mesma, dando-me, assim, novos caminhos de pesquisas.

MOLDURA PARTICIPANTE DO QUADRO

Continuando a história de seus trabalhos, declarou a artista:Tive a idéia de começar a fazer quadros com grandes molduras, ainda utilizando a tela e a tinta de bisnaga, numa tentativa de continuar a explorar essa linha (linha orgânica). Nesta fase do problema já se tornava mais claro para mim. Toda a questão estava em arrebentar o compartimento espacial da superfície da tela de modo que o espaço tratado pudesse correr para fora na própria moldura, numa tentativa de que ela (a moldura) participasse de um todo formal. Desde o princípio, a preocupação desta pesquisa era o sentido do espaço. Havia já aí, uma tentativa de que o espaço externo, penetrando no quadro, atuasse nele diretamente. Realizei seis quadros dentro desta mesma fase. 

CONTACTO COM A ARQUITETURA

Passei, praticamente, um ano e meio a dois anos sem poder ir adiante nesta pesquisa, até que um dia encontrei uma relação direta entre esta linha chamada organicae a linha que separa a bandeira da porta do caixilho, esta mesma linha, enfim de emenda entre os vários materiais, como tacos de assoalho. Pensei, inclusive, nas linhas de emenda entre os tecidos e todas as outras linhas que fazem a junção de dois planos na superfície.Empreguei-me num maquetista a fim de aprender a executar maquetes e compus varias delas explorando esta linha organica, fazendo ao mesmo tempo com que ela fosse o modulo gráfico espacial de toda uma superfície. O que tentava realmente era uma continuidade que abrangesse não só uma superfície mas todo um ambiente. Nessa época, já sentia a necessidade de expressar um espaço curvo que funcionaria dentro desse ambiente, como espaço circundante. 

Tentamos levar adiante esta possibilidade formando uma equipe composta de um arquiteto, um escultor, uma pintora (no caso seria eu) e de uma pessoa capacitada em dosar as cores segundo as necessidades psicológicas do homem. Infelizmente, não conseguimos realizar este objetivo. Foi publicado na Itália uma tese de Luci Teixeira, a pedido de Lionello Venturi, sobre esse nosso grupo, pois Lionello Venturi se entusiasmara ao ver, através de fotografias as possibilidades que as maquetes sugeriam. Nessa equipe, todos trabalhariam desde o espaço inicial do arquiteto, procurando a maior integração possível tanto do escultor como do pintor em relação ao projeto arquitetônico. 

SUPERFICIES MODULADAS

Passei a executar o que eu chamo agora de superfícies moduladas. Já não havia mais tela nem moldura: eram placas de madeira compensadas recortadas e colocadas sobre duratex, pistoladas com tinta industrial. Nesse período, eu jogava com formas seriadas repetidas, quase que num sentido de grega, e não considerava estas superfícies senão como um campo experimental para medir todas as possibilidades dessa linha espaço. 

Numa conferência em belo Horizonte, nessa mesma época, expressei bem meu ponto de vista ao dizer, entre outras coisas, quese a arte concreta prescinde do caráter expressional que sempre foi a característica de uma obra individual então é de [...] uma obra de arte individual em si mesma. Referia-me ao que eu entendia por arte concreta naquela ocasião e que era o que fazia. Daí, a meu ver, a necessidade de um trabalho de equipe em que o artista concreto poderá se realizar, realmente, criando com o arquiteto um ambiente por si mesmo expressional. 

EXPRESSAR O ESPAÇO

Somente em 1957 consegui voltar a essa característica expressional que caracteriza a obra de arte individual pois, conscientemente, o que eu já tentava era expressar o espaço em si. Abandonei, conseqüentemente, toda forma seriada por julga-la insuficiente para expressar o espaço que não fosse puramente ótico. Desejava reestruturar toda a superfície para expressar um espaço que não fosse puramente ótico e sensorial. A formulação deste espaço veio através de formas puramente simétricas, ambíguas, expressando múltiplos espaços, provocando tensões ambivalentes. Nessa fase a preocupação já era desenhar o espaço em si, tendo eu suprimido as cores que poderiam acrescentar ou tirar essas tensões que elas possuem como característica própria. 

Após esta fase, a formulação de um espaço curvo veio através de grandes formas brancas que seriam, vamos dizer, sólidos planificados nesse mesmo espaço curvilíneo, mas o problema não era de fundo e figura e sim de espaços negativos e espaços positivos. Estes espaços positivos e negativos, só na medida em que se completavam mutuamente é que eram expressos. Só apareciam nesta interrelação.

PARTICIPAÇÃO DO OBSERVADOR

O espectador não é meramente um assistente que leria esse espaço de uma maneira puramente ótica em que o tempo seria expresso de modo apenas mecânico. Ele participa ativamente num sentido integral. É como se ele entrasse dentro desse espaço organicamente. 

LINHA LUZ

 A partir dessa ultima serie, comecei a pesquisar umalinha espaço com outras características : é uma linha sulcada, mais larga do que a antiga linha espaçoe pintada de um branco brilhante que aparece nos limites externos da superfície, confinando diretamente com o espaço exterior. Hoje, ela teria mais sentido para mim comolinha luz. As primeiras realizações incluíam, ainda a linha obliqua, dentro da superfície. A medida que fui observando as variações dessa mesma linha em função desta última fase (linha luz), comecei a suprimir a diagonal e passei a compor simplesmente com horizontais e verticais, pois uma tensão obliqua surge, automaticamente, quando a linha externa penetra espaços interiores da superfície que é sempre preta. Linhas absolutamente iguais, horizontais e verticais, produzem entre si uma tensão obliqua distorcendo um quadrado: o espaço então se revela ali como um momento do espaço circundante.

PRINCIPIOS DA ARTISTA

Finalizando sua entrevista, Ligia Clark dispõe sua serie de princípios nos quais alicerça toda sua vida de pesquisadora plástica. A superfície modulada é a materialização da idéia-espaço. A superfície é construída em função da necessidade da idéia-espaço a exprimir. A superfície só é bidimensional quando preexiste à idéia-espaço. (seria como se a superfície bidimensional preexistente fosse a espessura desse espaço.

A superfície, para mim, passou a ser um suporte puramente abstrato, só tendo função na medida que este mesmo espaço tem que ser expresso. A idéia-espaço deve ser realizada dentro do seu próprio tempo pois a idéia é o espaço abstrato e a realização é um espaço-tempo. E como o símbolo da nossa época é o espaço, a necessidade é de expressar mesmo este espaço.

 

ID
8819

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