Meu comandante:
Vi ontem na TV um documentario sobre o escorpiaõ. Era o meu retrato. Nunca vi um bicho mais solitario: dentro da sua casca que cái de quando em quando sendo o precesso horripilante e belo.Uma enorme crosta permanece parada, quieta no tempo e a fera sai de dentro pouco a pouco num processo lento como o nascimento. Depois disso a fera tem uma casca taõ fresca e vulneravel que ela fica imovel até o sol endurece-la. Ele vive só entre pedras areia ou lixo. Quando aparece outro escorpiaõ ha uma luta entre os dois que é horripilante de ferocidade e eles soltam um barulho mais sinistro que duas cascaveis quando armam o bote. Antenas ou braços sei lé, que curvos se aproximam do outro que recua, mas que contra ataca depois, a cauda sempre levantada com uma grande ampola de veneno, o primeiro que a experimenta é morto no ato. Quando aparece a femea ha tambem uma especie de luta, dansa nupcial terrivel e naõ se sabe se é para matar ou gozar. Essa luta ou dansa pode durar horas sempre acompanhada do chocalho dos dois. Quando a femea desova ela fica letargica imovel e os filhotes saem aos montes subindo pelo corpo da mãe de cima a baixo brancos mas mesmo assim terrivelmente sinistros. Tomei consciencia de que na medida em que quase todos os artistas hoje se vomitam a si mesmos num processo de grande extroversaõ eu solitario engulo cada vez mais num processo de introversão para depois fazer a ovulaçaõ que é miseravelmente dramatica, um ovo de cada vez. Depois é o engulir novamente, introverter-se até quase a loucura, para botar um unico ovo que nada tem de inventado mas sim de gerado....loucura? Naõ sei. Só sei que é minha maneira de me amarrar ao mundo ser fecundada e ovular. Sozinha nesse processo vou eu e porisso tambem é que a minha comunicaçaõ naõ pode ser feita por meio de espetaculos à priori, manifestações de grupos como nos outros, mas é uma experiencia taõ biologica, celular que só é comunicavel tambem de uma maneira celular e organico.
De um a dois, a tres ou a mais mas, sempre uma coisa sai da outra e é uma comunicaçaõ extremamente intimista de poro a poro, de pelo a pelo, de suor a suor.