Lygia Clark

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Ontem foi um dia e uma noite extraordinários! [Diário 1]

documentType
DiaryDocument Type
artMedium
DatilografiaArt Medium
inLanguage
PortuguêsLanguage
date
06-07-1971
dateBegin
06.07.1971
location
author
transcription

6 de julho


Ontem foi um dia e noite extraordinarios ! De manhã recebo um bilhete de Y seco porem revelador. Tremula de emoçaõ lei-o e releio varias vezes, buscando a forma o conteudo, o resto do papel em branco....Até acho ele ficou meio enamorado porque com ele naõ fui nem uma boa trepada, o tempo foi pouco e o conhecimento mínimo ! As vezes eu penso ser ele uma pessoa que poderia me assumir embora cheio de preconceitos como os outros. Me assumir significa me deter, me ajudar a minha contençaõ a me dar menos, a ser talvez eu mesmo ter outra vez o meu super-ego e gostar de uma pessoa naõ de todas, ou isso naõ será saudosismo ? De qualquer maneira fico tremula de emoçaõ quando leio esse bilhete seco porem cheio de intenções....

 Á noite A, apareceu e foi a noite mais alucinante da minha vida. Nos entregamos ou eu me entreguei atravez dele a uma relaçaõ super agressiva, super infantil e chegamos ao paroximo das fantazias mais infantis e heroticas. Quase apanhei perdi a noçaõ das coisas como acontece nas minhas experiencias. Virei emergia pura e nem me dava conta do que estava acontecendo. Foi soberbo ‘.

Nessa mesma tive o sonho que mais me pareceu maravilhoso : Abri a gaiola para soltar o passarinho. Ele saiu voando e em vez de fugir veio parar debaixo da minha maõ que estava curva como concha. O passarinho parecia femea, depois vi que era macho e estava com as plumas todas eriçadas como galinha no choco. Foi taõ maravilhoso que deve ser muito positivo. Pensei quando acordei que foi consequencia da relaçaõ com A onde muita coisa fugiu as regras veio do. inconsciente e vivi tudo como lindissimo com muita ternura e creio que para A tambem teve um lado de muita libertaçaõ essa noite.....

Depois pensei que podia ser por causa do bilhete do Y que parecia ter me esquecido e de repente vem esse bilhete nas minhas maõs passaro livre porem cativo prometendo aperecer breve naõ se sabe quando. Pode ser tudo naõ sei de nada, só que estou hoje feliz que nem queria escrever nada....

No meio do delírio da noite com A, ele me chamava de puta o tempo todo e eu o chamava de hipocrita e burgues. Depois das horas passadas numa conversa com ele eu lhe disse que havia já rescentido o que é ser prostituta, alias foi escutando a musica que Caetano me dedicou que senti essa percepçaõ. O J. estava no banheiro depois de fazer amor comigo e eu enrolada no chale vermelho na cama meia nua, me senti uma extrangeira e é ao meu ver o que as putas saõ, naõ pasam de extrangeiras. Os homens vem e vaõ e elas estaõ sempre a espera. Eles se integram numa definiçaõ comum a elas naõ. Disse ao A que acho nelas uma grande beleza nessa maneira de se darem serem extrangeiras eternas á espera... Disse-lhe que eu muitas vezes me perguntei a mim mesma se naõ seria uma delas mas que o que eu tenho que dar é tanto que sempre sobra....A. me disse que eu vinro desde a ponta do dedo do pé e que nem sei o que aocntece nessas horas e que isso é lindo! Realmente como viro energia perco um pouco da consciencia como drogada......ah, essa palavra que está me vindo sempre a cabeça a respeito da vida, do trabalho, de fazer amor, drogada sempre ......

Alias disse-lhe uma verdade: naõ é com todo mundo que durmo naõ. Camargo, Piza Luciano e outros nunca isso aconteceu. E mesmo quando dá o clique tambem naõ é sempre naõ. Com o Ciano por exemplo, O Edwards Poppe de Londres, foi impossivel. Durmo quando sinto coisas e eles tambem. Só que essa coisa naõ-é amor naõ. E me pergunto esses homens que me daõ cada um deles coisas diferentes é riquissimo esse tipo de relaçaõ. Sem eles eu naõ aprenderia quase nada de mim mesma ! Um dia claro que poderei mudar mas isso naõ depende só de mim existe a circunstancia que é importante. E depois na minha idade é quase impossivel que aconteça. Ainda como sou, realizada, inteligente, e muito livre qual.... é impossivel, seria milagre.

Acho que naõ falei ainda sobre Y. Poderia dizer que foi um coud de foudre de parte a parte. O primeiro homem que encontro nessa faze de incapacidade de me assunir sozinha que me pareceu ser capaz de me assumir. Inteiro, parecia uma raiz. Macho pra burro um grande magnetismo. Me senti como quem ve pela primeira vez um ser vertical. Foi linda a percepçaõ. Um só encontro depois o corpo todo doido que queria outra vez. Rendi pouco como mulher, sei disso mas uma só vez e com um conhecimento taõ rapido nada foi possivel fazer. Foi se embora.

Sonho uma noite com ele. Estava atraz de mim com o penis esguido como copulando por traz mas estava me empurrando ao mesmo tempo para a frente. Antes o vi e ele fazia um gesto e eu já estava no logar apontado pelo mesmo.

Naõ sei o que isso daria se tivéssemos tido tempo e mais encontros. Agora recebo esse bilhete que promete novo encontro na sua volta Deus sabe quando.


Recebi carta da Beth. Uma carta onde tudo vae bem e ela já é doutora, que orgulho, meu Deus! Mas a carta começa sem nada dizer e pelo visto está taõ sofrida que pareceu-me uma arvore depois do inverno sem folhas nem nada. Chorei. Escrevi uma carta a ela e naõ sei se fiz bem mas chamei-a de filhinha queridinha etc e me senti um bocado culpada pois nos sabemos que a preteri para viver com o Marcondes....e o pae nunca lhe deu atenção, coitadinha está no dizer dela sem nenhuma ternura no coraçaõ em relaçaõ ao mundo. Ela fala da minha fabulosa feminilidade que descobri de repente acho que foi pelos sonhos da integraçaõ do casal que lhe contei. Naõ sabia ser esse o snetido do sonho!


ID
65598