Lygia Clark

Acervo

Textual

Envelope 2 - versão 2

Tipo de documento
Casos clínicosTipo de documento
Forma de registro
DatilografiaTécnica
Idioma
Data aproximada
19-10-1976 à 26-01-1977
Data de produção
19.10.1976
Local (cidade/país)
Autor(a)
Transcrição texto

Dadá Carvalho de Brito

Idade 47 anos

viuva– escritora


Criança solitaroia com seis irmãos. Afetividade cm a irma~ mais velha, 5 a 6 anos, era a do meio. Busca do poder entre os iormãos e homens da familia poderosos. Aios 17 anos teve uma grande depreãção por ocasiao ~da sua adolescencia. Foi tratada por Fernando Velozo psiquiatra em Belo Horizonte. Teve sintomas de desmaios, psico- somaticos. Pavor da morte. Sente que tem um bloqueio fuga quanto a realizçaõ mas já publicou dois livros e escreve de vez en quando. Casou-se com um homem mais velho que parecia ter ainda mais idadade e ela parecia ter menos do que a real. Relaçaõ completamente dependente como uma filha em relaçaõ ao pae. Em 74 o marido morre, ela se sente desabar. Fazia nesta epoca um psicodramaterapia com Margarida Estrela (1968 – 1976), terapia de apoio. Em 68 sentiu a traiaõ do marido como se fosse uma traiçaõ do proprio pae tendo uma grande depreaõ. E, 1973, o irmaõ morre, teve uma grande somatizaçaõ, no pescoço, andou emgessada e teve trigemeo, nevralgia do nervo. Faz a dois anos expreçssaõ corporal com o grupo do Klaus. Se sente melhor mas se queixa de que a sua voz ainda fica presa na garganta mesmo na expreçaõ corporal. Maelhorou quanto ao excesso de intelectualizaçaõ que sempre foi sua característica. O motivo porque quer fazer a relaxaçaõ é para desbloquear o corpo bloqueado pelo sistema que é repressivo. (?)


Atitude. Fala de uma maneira compulsoria, sem nenhuma contençaõ.



Primeira sessão

19 de outubro de 1976


Reconhecimento de objetos, sentada, com olhos abertos

Material: almofadas leves e pesadas, areia e isopor.


Almofadas leves:

colocando-as nos ouvidos, teve a percepção do mar arcaico, que habita os corpos. Nas coxas, entre as pernas, maternagem, o corpo do outro, no caso, a mãe, mas nada sexual. Nos pés, a terra arada. No ventre, “a barriga tem um grilo, nunca pensei que barriga fosse um troço tão complicado”.


Almofadas leves e pesadas:

sentiu o lado pesado como o elemento masculino, o pênis.


Almofadas pesadas:

 ao sentí-la sobre a coxa, reagiu dizendo que era péssimo, que sua perna ficara fria de repente, muito fria. Sentiu na perna o elemento puramente masculino.


Deitou-se e fiz uma indução de calor método Sapir, tocando sua barriga, braços e pernas. Depois, coloquei entre a blusa e o seu ventre, um saco de plástico cheio de ar. Começou imediatamente a tocá-lo de várias maneiras, ora agressiva, ora docemente, parando para, depois, recomeçar, durante cerca de 20 minutos. Fêz, então, toda uma fabulação sobre a barriga, o sexo. Disse em seguida que havia descoberto seu umbigo ( a parte do plástico fechada com elástico), afirmando que não foi a indução falada que havia aquecido sua perna, mas o plástico, quando começou a se transformar em ventre.


De pé, ao sair, me disse: “não sei ainda a causa da sensação de frio provocada na perna pela almofada, do medo terrível vivido como frio”. Disse que ia lhe dar uma dica: primeiro, que o elemento pesado da almofada foi vivido por ela como elemento masculino, o pênis, e que fui eu que o coloquei na sua perna.


Segunda sessão

27 de outubro de 1976


Entrou agitadissima, dizendo ter “matado a charada”. Pensou no que havia sentido em relação à perna fria e ao medo e descobriu que era uma sensação que já experimentara: a de um homem ejaculando contra a sua perna. Afirmou que isto fora falado diversas vezes na sua análise, mas que era a primeira vez que sentira através do corpo.


Deitou-se e coloquei todas as almofadas pesadas nas suas pernas. Sentiu-se bem como se estivesse debaixo da terra, sem angústia nem medo. Também sentiu o corpo de alguém sobre o seu próprio corpo. Quando coloquei minha mão sobre o seu ventre, sentiu como se tivesse dentro de um corpo e disse que antes era um corpo... “O frio da perna passou”. Não gostou quando mudei as almofadas para a parte superior do corpo, pois sentiu-se privada de uma coisa que estava vivendo e experimentou esta mudança como uma prisão. Na sua relaxação, viu uma pequena estrela opaca e pequena que muito e encantou. Achou que a estrela era ela. 



Terceira sessão

5 de novembro de 1976


Comecei pela indução verbal do Sapir, págs. 11 e 12. Não gostou da indução. Para ela a palavra está contaminada. Coloquei nos seus ouvidos as conchas do mar durante algum tempo, enquanto relaxada. Piei e depois fiz o “respire comigo”. Após muito tempo, comecei a massageá-la com o colchão de isopor. Relaxou meia hora. Acendi as luzes, para que ela abrisse os olhos. Começou a contar que sentira o mar através das conchas, e que depois se abrira um enorme espaço cosmogônico (?), onde entrou. Amou. Quando escutou o “respire comigo” teve um grande medo, como se estivesse numa selva ancestral, e sentiu a respiração das feras que a ameaçavam. Os pios também a angustiaram, pois faziam parte da floresta ameaçadora. Depois sentiu o colchão como o mar que lhe subia em ondas pelo corpo, mas continuou gelada e com medo, pois experimentara essa sensação de angústia, frio, medo e solidão quando, em criança, morava à beira-mar. Viveu o corpo relaxado, mas a cabeça estava em sobressalto esperando sempre uma situação de perigo. Disse estar pensando novamente em escrever.



Quarta sessão

12 de novembro de 1976


Viveu o colchão pela primeira vez como ativa. Abraçou-o e, no final, sentada, o colocou sobre todo o corpo. Deitou-se e fechou os olhos. Estava chorando silenciosamente sem que eu notasse. Mal terminara a indução, ela começou a falar, sem ter relaxado: “minha mãe não queria que eu nascesse. Estou me sentindo super-rejeitada e só, até chorei”. Disse que viveu o colchão como um útero e que todo o movimento dela era de querer sair, que a membrana do colchão era a placenta e que, com muita dificuldade, conseguira nascer pondo a cabeça de fora e os pés continuaram a mexer. 


Procurei a relação com outra sessão em que ela viveu estar enterrada na terra e em seguida, quando coloquei o plástico sobre sua barriga ela comentou: “Eu estava dentro, agora meu corpo virou o receptáculo e é dentro dele que eu sinto o objeto”. Para mim, ela fantasiara ser a sua própria mãe, negando a figura materna. Ela relembrou que se casara com o próprio pai e, quando engravidara, por deficiência hormonal, tivera que extrair o filho. Isto foi dito com grande sofrimento: “Eu me impedi de ser mãe”. Disse que tudo que ela criava eram filhos e que ela inclusive enriquecia muita gente com este poder. Chorou ainda, saiu muito triste e deprimida. 


Telefonou de casa à noite, para dizer que aquilo que vivera era muito mais arcaico do que havíamos descoberto. Citou um Deus grego que comia os próprios filhos e disse que, na realidade, ninguém queria ter filhos e os filhos nunca queriam nascer. Na sua opinião, isso era maravilhoso, pois aliviava bastante o que fora vivido. Perguntou se eu achava que era uma defesa do seu inconsciente para se sentir menos culpada. Disse-lhe que não “pois se numa mitologia existia essa história e você com ela se identifica, você viveu o arcaico coletivo”.


Quinta sessão

18 de novembro de 1976


Contou que teve dois sonhos. No primeiro, estava diante da mãe dizendo que nunca a amara e que ia viver num puteiro e lá seria feliz. No segundo, estava descompondo a sua irmã mais velha, que estava do lado da mãe, e tornou a dizer que não as amava e era um acidente serem da mesma família. Converso com ela dizendo que a mãe que ela rejeita poderia ser uma parte sua, não resolvida, a parte mineira da sua formação e ainda uma não aceitação completa de sua independência.


No final da sessão, vai ao banheiro e, depois de cuspir sangue, volta muito exaltada:“Lygia, olha que coisa incrível, cuspí sangue, cuspí sangue”. Contou também que tem urinado muito. Aliás, depois que entrou, pediu para urinar na entrada e na saída. Lembrou que, quando garota, a menstruação revelada por uma empregada deixara-lhe o trauma de que ter um filho, era morrer de hemorragia e que realmente perdera um assim. Quando perdeu o irmão, com o qual tivera uma ligação virtual no sentido do incesto, teve várias hemorragias. 



Sexta sessão

22 de novembro de 1976


Chegou muito bem de São Paulo e disse que cuspir sangue não lhe causou nenhum medo ou pânico. Entendeu o processo e foi só. Contou que em Veneza, quando o seu marido estava doente, teve medo dele morrer e sangrou também pelo nariz. Ligamos isto ao parto em que se sangra até morrer e chegamos à conclusão de isso teria sido uma manifestação de sua parte onipotente: ela podia dar vida ao marido. Que ela viveu também este parto dela mesma e disse que a mãe não queria que ela nascesse por eu a ter induzido a viver o colchão como ativa, ela que sempre entrava e perguntava, “o que vou fazer hoje?” Cortei sua dependência e, por isso, ela me viveu como mãe arcaica má. Daí ela ter cuspido sangue no consultório, como quem está dizendo: “veja como você é má e me faz sofrer, até sangue você me faz cuspir”.


Acha que está começando a juntar os seus pedaços. Coloquei o colchão sobre seus pés e a massageei longamente, docemente. Depois, coloquei as conchas nos seus ouvidos. Massageei longamente os seus cabelos, coloquei a mão no seu ventre e depois no seu braço. Retirei lentamente o plástico e toquei todo o seu corpo com o pequeno plástico cheio de ar. Cobri os seus olhos com as duas conchinhas. Quando os abriu, disse ter vivido uma experiência completamente diferente das outras. Quando estava com o colchão sobre o seu corpo sentiu-se dentro da terra, sem angústia ou medo. Sentiu a minha mão sobre o seu ventre como se o mesmo estivesse crescendo tanto que podia estourar, sem medo.


Começou a se sentir vegetal, minha mão no seu braço é o mesmo que virar uma raiz presa na terra. A concha nos ouvidos fazia com que ela percebesse o mundo exterior fora da terra.Vira uma planta e sente através do plástico que lhe passei no corpo os contornos no mesmo. Quando passei as mãos sobre os olhos tampados com as conchinhas, teve a percepção, num mergulho introspectivo, de que suas veias estavam verdes, em vez de sangue, existiam algas dentro delas. Ainda foi o nascimento, a mãe terra vivida sem trauma, porque estava passiva e eu a ativa. 



Sétima sessão

29 de novembro de 1976


Entrou contando que vivera uma experiência nova, séria como o nascer. Viveu um dia magnífico sem ninguém, sem dependências e conseguiu usufruí-lo sem sentido de perda ou nostalgia. Estava outra pessoa. Pedi que tirasse a blusa, se prontificou a tirar o resto, mas como estava sem calcinha disse-lhe que trabalharia apenas a parte superior do seu corpo. Relaxou sem indução. Comecei a lhe colocar os pedaços de papel colorido e ensopados n a água. Depois, toquei ------?mente o seu ventre. Peguei no seu braço para, em seguida, segurar sua cabeça e virá-la docemente de um lado para o outro. Quando acabei, esperou um pouco e pediu para falar. Retirei todos os pedaços com doçura e esperei. Ela disse então que sentira o seu corpo todo como inexistente e, sentindo as gotas d’água que lhe escorriam pelo corpo, viu o seu irmão, seguro por uma mão, ela no colo do pai, mas na realidade era ela e não o irmão em sua fantasia.


Discutimos muito sua fantasia de receber o irmão com inveja, “rei morto, rei posto”, e a falta da mãe que, quando procurou, informaram que estava fazendo um irmão para ela., mas que na realidade ela sempre se considerou a mãe deste irmão. Ela dizia ter sentido o corpo inexistente, mas a barriga se transformou, depois do meu toque, no centro vital do seu corpo, crescendo e rodopiando como um pião. Ela se dizia: “Não adianta, Lygia quer que eu nasça mas estou inexistente, como poderia nascer se me sinto inexistente?” Discutimos a sua identificação com o irmão – na época ela tinha 3 anos. Ela seria ele, se colocava no seu lugar e daí esta disparidade. Era inexistente exatamente na hora em que conseguia viver sua especificidade, e (?) inexistente sentíra a barriga cheia de vida, a vida que nunca conseguira fazer na realidade de ter abortado ofilho que esperara.


Disse, depois, que o seu amante falava sem parar ao fazer amor com ela e questionou “nesta hora para que falar? Aí eu disse: você está me dando o recado, não retire todos os meus “mistérios”, isto depois dela comentar: “foi por causa destes problemas todos que criei uma obra” sinão o que vai sobrar para que eu crie como motivação desde que criei porque tinha estas experiências vividas na infância?” Disse-lhe que ninguém cria por catarse e que agora ela ia criar muito porque estava se bastando, não tinha mais simbiose, e que a barriga, que é a criação, estava viva durante toda a vivência do não existir, experimentada com os papéis coloridos. Acho que a pergunta e a resposta aqui e agora estão cada vez mais presentes no meu processo.


Quando se sente inexistente e diz: “Lygia quer que eu nasça, como posso nascer se estou inexistente?, pode ser  “recado” de que aqui o seu corpo deixou de existir em função do trabalho que já estaria no fim. Deixou bem claro que se sente bem quando sozinha, isto poderia significar ainda a vontade de comunicar que não precisa mais de mim, que quer a sua emancipação. Dou alta? Experimento antes colocar as almofadas que genitalizam a sua parte erótica? Experimentar os objetos “amalgâmicos” como fim do processo? Fazê-la passar pelo espelho para recuperar a sua imagem integral?



Oitava sessão

6 de dezembro de 1976


Dei-lhe alta, mas já sei que vai voltar ainda uma vez, pensei que estávamos na 9a. sessão e ela disse que na magía do número cabalístico, 9 representava o “ser total”. Se descobrir que dei-lhe alta na 8a. sessão volta. Veremos.

Entrou muito bem e disse coisas positivas como da outra vez, o bastar-se a si mesma, o deixar fluir as coisas e pessoas, o não assumir problemas graves da família, só na justa medida. Disse-lhe que ia dar alta, pois achava que ela estava explêndida e aí teve uma reação. Disse: “também você já está com muitos clientes”, como se o problema fosse meu e não dela, que não precisa realmente mais do tratamento. Disse-lhe isto e ela repetiu a mesma coisa em relação a sua analista Margarida Reis Madame X que, “coitada”, não a largava porque o fim do ano se aproxima e ela vae lá até a Margarida Reis entrar em férias “por delicadeza”...


Elaboramos tudo que se passou, todo o seu processo, dei-lhe nomes de livros interessantes dos ingleses para que ela compre e leia os meus prediletos, tomamos um café e nos despedimos. Na hora de pagar, ela devia só uma sessão mas como estava sem cheques me disse que daria o dinheiro depois, mas, que achava que tinha duas sessões a pagar. Acho tudo singular para significar um fim de análise, pois considero que arrematei a sua, mas disse-lhe que qualquer coisa eu estaria ali, que bastava telefonar que eu atenderia. 



Nona sessão

3 de janeiro de 1977


Voltou, como era de se esperar. Não estava pronta, fui precipitada em mandá-la embora, mas, por outro lado, está num processo regressivo e com um fibroma que sangra e vai ser operada, o que propicia toda a sorte de fantasias antigas. Sonhou que estava em Belo Horizonte e do lado de lá do canal via o pai de costas de uma maneira nebulosa. Estava no grupo da família e dizia: “Detesto a minha mãe” e pedia ao namorado (que a trouxe ao consultório) para confirmar que mãe não presta. Na verdade, o namorado é o pai e pedia a Antonieta uma amiga que esteve em tratamento aqui para confirmar a sua opinião sobre a mãe. Disse-lhe que achava que o pai, que era o marido, estava morto, e que a linha do canal era a fronteira imaginativa dela com a morte. E que a mãe detestada era eu, pois ela contou que a sua mãe era aberta e impulsionava a ser alguma coisa, ao contrário do pai, muito mais restritivo.


O fibroma está sendo vivido, na minha opinião, como o filho pois ela diz que no início, suas regras faltaram e ela fêz a fantasia de que stava grávida para, depois, surgir a hemorragia, que combina com a sua fantasia infantil que o filho mata a mãe quando nasce, provocando uma grande perda de sangue. Diz que sua sexualidade aumentou consideravelmente com o tratamento aqui, mas que se sentiu muito agredida em Belo Horizonte, onde foi passar o Natal. Perguntei se continuava com a analista, e respondeu que acabara o tratamento.


Contou que quando soube do fibroma, chorara de desamparo e queria que o marido (pai) e a mãe, perdeu o controle e pedira socorro à mãe. Falei na fantasia de morte provocada pela anestesia quando se perde o controle e se está nas mãos dos outros. Ela lembrou que quando o Jorge marido existia e ela tinha que ser operada, ele lhe dizia: “Até é bom que seja você desta vez e não eu, que sempre me opero. Mas ele estava vivo depois das suas operações e ela gora está só e sem esta garantia... Que outro dia viajando com o atual amante para Teresópolis, se viu morta na estrada em um acidente de carro, pois ele corre muito. Deu-me a impressão de estar se punindo por se sentir mais sexual e sensual. Pedi que ela fosse ao Orlando Vaz, para ter outra opinião sobre esta operação. Vai recomeçar uma vez por semana até se sentir pronta.



Décima sessão

5 de janeiro de 1977


Chegou com uma cara triste e pedi que ela andasse com o objeto relacional – ventre com bom-bril, elásticos e bolsas d’água. Andou com o mesmo colado na barriga, correu, sentiu evidentemente a barriga, depois deitou-se e sentiu o objeto relacional sobre todo o corpo, o objeto “vomitado”. Sentiu que tinha um pênis, sentiu o seu calor. Depois, sentiu o ventre, sobretudo os intestinos e colocou o objeto na altura do pescoço. Era como se fosse um coração contra o seu coração e palpitante de vida quando o colocou no peito. Ao senti-lo no pescoço, se viu como um ponto no espaço imenso. Sentiu minha mão no seu ventre primeiro como uma coisa apaziguante e quente. Depois, coloquei o objeto relacional com pedras na região dos ovários e as dividi como se fossem trompas externas ligando os ovários. Sentiu que eram caranguejos, câncer (o filho vivido como câncer que mata a mãe).


Passei as mãos com muita ternura sobre sua cabeça, ela sentiu sua cabeça se apertar como se os ossos estivessem no processo de nascer, a cabeça adaptada para a expulsão. Acho que foi aí que ela se viu como um ponto no espaço. No primeiro objeto relacional, ela pegava num ponto como se fosse um pequeno caroço que existia dentro dele. Lembrou, depois, de um ditado que a mãe falava sempre: “O socego (?) é enterrado com a primeira placenta de um filho”, e completava: Minha barriga se esvaziou para sempre, depois de ter tido um filho”.


Elaboramos a sua operação de fibroma, que pode ser a concretização da sua fantasia de que o filho mata a mãe ao nascer e a mãe se esvái de sangue. Elaboramos também a sua velha fantasia de que é mãe de si mesma, do seu pai e a fantasia da morte. Hoje, viveu talvez como nunca a fantasia e não partiu intelectualmente para o arquétipo coletivo, como sempre o faz. Disse aceitar que a sua irmã venha para a sua operação no lugar de sua mãe. Falamos também na sua sexualidade desenvolvida aqui, e vivida como castigo nas fantasias de morte.



Décima primeira sessão

12 de janeiro de 1977


Deitou-se atravessada na cama, para que eu pudesse ficar atrás dela. Massageei sua cabeça longamente, passei as mãos sobre o seu rosto. Depois, coloquei os plásticos com água na sua cabeça, passando-os antes pelos seus olhos, boca e pelo contorno do rosto. Viveu o retrato dela, feto, se viu como tal. Coloquei a almofada leve e pesada no seu ventre e massageei longamente no lugar dos ovários e útero. Sentiu o seu ventre como a terra, e do seu corpo saíam raízes era a paisagem do mundo. Voltou a ser ela, modelada no seu corpo, quando coloquei em volta da sua cintura os plásticos com água. Coloquei em baixo da almofada e sobre seu ventre uma extremidade do “respire comigo”, e a outra extremidade em cima de um saco cheio de ar ao seu lado. Coloquei a sua mão sobre este plástico, para que ela o sentisse e também a sua mãe sobre o “respire comigo”. Pressionava o plástico, que pulsava contra a sua mão apoiada sobre o mesmo. Sentiu o grande falus que tudo fecunda. No final, retirei a almofada pesada e leve do seu ventre e o substituí pelo plástico cheio e coloquei as suas mãos sobre o mesmo. Tornou a sentir que ela estava grávida dela mesma, e, neste momento, passou pela sua cabeça todas as providências que deveria toimar para acabar a decoração de sua casa.


Tornei a massagear sua cabeça bem devagar, premindo-a contra os dedos até acabar. Ela sentiu como se a cabeça fosse para o espaço e só a recobrou quando eu a fiz, com um movimento, virar lentamente da direita para a esquerda. Recuperou a cabeça, que passou a fazer parte do seu corpo. De repente, abriu os olhos e perguntou se eu havia aberto uma luz muito forte, pois viu um enorme foco de luz. Conversamos sobre sua operação, o médico depois dos exames chegou a conclusão de que a operação talvez não seja necessária. Abrimos várias possibilidades sobre a hemorragia, se não seria uma maneira de recomeçar a relaxação comigo, e ela confessou que estava inquieta pela operação, mas quando soube que não tiraria o útero preferia que o retirassem.


Falamos na sua velha fantasia de que dar à luz seria a morte com enorme perda de sangue e o seu consolo a retirar o útero, que era menos arriscado. Falamos também na possibilidade dela ter escarrado sangue como quem quer encerrar o verbal, pois acabara com a análise da Margarida Madame X . Discutimos também este trabalho que terá um fim e não será uma coisa para toda a vida, como uma aventura. Discutimos que a interrupção foi necessária, tendo ela voltado agra para resolver realmente um problema com o seu corpo. 



Décima segunda sessão

19 de janeiro de 1977


Não veio.



Décima terceira sessão

26 de janeiro de 1977


Veio bem, apesar da morte do irmão. Conversamos e ela disse ter sentido a morte fora dela, mas real, e que sabia gora que poderia e deveria morrer um dia, que era natural. Relaxou profundamente com o colchão isopor, coloquei-lhe em seguida plásticos nos ombros, perto do rosto. Dormiu e quando acordou disse ter sentido quando lhe passei o colchão pelo corpo, uma chuva fina e tivera frio. Depois, se viu deitada numa lagoa e via uma cidade iluminada de um lado e outra cidade também iluminada noutro lado. Via fogos de artifícios explodirem no espaço e depois sentiu que eu a puxava de cabeça para baixo para a terra. 


Antes, sentira no saco plástico na barriga uma batida como um coração ou uma batida como um regador de grama, para depois sentir o coração na cabeça e no lado esquerdo do pescoço. Conversamos e ela disse que ia fazer uma experiência sozinha na vida, o que achei excelente. Ia romper com o Klaus e comigo, já rompera com a analista e ia ver se escrevia e vivia por ela mesma. Ficou de telefonar, caso precisasse de mim.





ID
65757