Lygia Clark

Acervo

Textual

Envelope 4 - versão 3

Tipo de documento
Casos clínicosTipo de documento
Forma de registro
DatilografiaTécnica
Idioma
Data aproximada
27-10-1976 à 16-12-1977
Data de produção
27.10.1976
Local (cidade/país)
Descrição
F 51 anos 13 sessões 3 versões
Autor(a)
Transcrição texto

Analisada por Kemper há seis anos, fez depois uma análise de sete anos e meio com Edson Lanes, Tem dificuldades com a respiração, engordou muito depois do tratamento. Antes, se sentia com uma grande cabeça e corpo pequeno. Parece ter terminado muito bem a análise, pois até hoje reivindica do seu analista uma atitude de homem e amante. Ainda lhe escreve cartas. 

Muito inteligente e muito culta, acha que não encontrou a sua justa medida. Devanear para ela é muito perigoso, é não poder passar à ação. Neste momento teve a percepção de que mandou o canário, o gato e um filho para fora de casa e percebeu estar fazendo força para que o outro saia também.

1° sessão


27 de outubro de 1976

Relaxação com almofadas pesadas sobre as pernas e indução do texto do Sapir “Peso generalizado”. 

Pediu uma almofada para colocar na cabeça. Coloquei nos seus ouvidos as almofadas leves e friccionei durante bastante tempo. Vivenciou o peso como morte, mas sem angústia. O barulho das almoyfadas no ouvido era os bichinhos que  comeriam o seu cadáver, mas eram a vida que continuava. Relaxou dez minutos. Falou sobre a morte do cunhado, dois dias antes.

Retirei as almofadas das pernas e do ventre. Coloquei o pequeno saco plástico sob a sua blusa, no ventre. Uma pedrinha na mão. Nos ouvidos, os caramujos. Coloquei duas almofadas pesadas nos ombros e li o “Peso generalizado” de Sapir.

Sentiu a almofada pesada no ombro direito como o ursinho que era o seu brinquedo predileto. Escutava o barulho feito pela mãe que atrás dela desdobrava tecidos e cosia. Sentiu-se cuidada e pela primeira vez questionou o abandono que sempre vivera em relação à mãe, dizendo: “Talvez não fosse a realidade, acho agora que fui cuidada por ela”.

Sentiu-se uma planta crescendo e se enroscando na pedra da mão e o plástico como a água em que ela, planta, estava submergida. Disse que nunca vivera uma situação tão arcaica - era um pequeno bebê em uma cama de casal.

2º sessão

5 de novembro 1976

Coloquei o colchão sobre o seu corpo e li a indução de Sapir (página 12). Gostou muito do texto e sentiu o seu tronco afundando no divã. Relaxou bastante tempo. 

Coloquei os caramujos em seus ouvidos e ela sentiu os caramujos como terra; enterrada como morta, mas sem angústia. Sentiu a respiração do “Respire Comigo” com angústia, como o som de uma criança que chora de desalento. Contou que desde a última sessão sente o contorno do seu rosto. Estamva realmente iluminada. Contou que teve esta sensação depois de acordar e sentir a necessidade de um ombro largo em que se apoiar. Falei sobre o toque da almofada de areia, que lhe lembrara o ursinho da infância. 

Durante a relaxação sentiu a barriga cavada e lembrou uma sensação muito arcaica: enquanto estava dormindo, o pai a pegava e a jogava em seus ombros e a barriga dela ficava esmagada contra o ombro dele. Teve vontade de chorar durante a indução, quando ouviu o trecho “...as ondas do mar vêm acariciar o meu corpo docemente...” Tem medo das ondas do mar. Sentiu medo do mar.



3ª sessão

10 de novembro de 1976

Chegou aflita com problemas com o filho. Queixou-se de uma dor no ombro direito, o mesmo que lhe lembrara o ursinho e o ombro do pai. 

Induzi o texto do Sapir. Relaxou. Disse depois que nunca relaxara tanto; que os materiais passaram completamente desapercebidos. Que tivera uma sensação indescritível - era como se o seu sangue pulsasse com tal força que fazia vibrar o divã onde o corpo estava deitado; a mão e as demais partes do corpo recebiam do divã e da almofada o refluxo das pulsações. Falou no fluxo e refluxo do mar. No auge da relaxação, sentiu que estava prestes a ter uma percepção extrasensorial, teve medo e escutou uma pedra que caia, fazendo-a abrir os olhos. 

Conversei sobre a associação do ombro direito com o ursinho, um ombro largo em que apoiar-se e o ombro do pai contra a barriga. E na dor que sente nesse mesmo ombro quando tem problemas com o filho.

Telefonou para dizer que o que sentira fora uma percepção intra-uterina; e o barulho da pedra que, na realidade, não existira; não seria a queda de algum instrumento utilizado no parto?

4º sessão

18 de novembro de 1976


Chegou atrazsada, dizendo que talvez nem devesse ter vindo, pois estava pintando sua casa, o que resolvera fazer de uma hora para outra. Falou depois que estava super-regredida, pois tivera um rompante com o amante: ele suspeitara dela, em um negócio do qual participavam juntos e ela havia passado das medidas, agindo como uma criança. Contou também que reagiu “mal” quando o amante desprogramara um fim de semana; ficou tão violenta que o amante a tomou nos braços dizendo: “Obrigada, obrigada”. 

Comentei que isso talvez não fosse regressão, mas sim a falta da “justa medida” da sua feminilidade, que começa a despertar; daí a impotência ante o real. Disse que era isso mesmo, pois seu filho perguntara algo sobre filosofia e ela respondera com simplicidade que esse não era o seu forte. Isso fez o filho extremamente feliz e compreensível com ela, em uma nova relação.

Depois, relaxou sem indução e disse que três imagens passaram por sua cabeça, mas ela achava nada terem a ver com o que acabávamos de falar. A primeira, era a visão de uma casa perto de um penhasco e de um rio, a parede que podia ver estava coberta de plantas. A segunda, era o céu, percebido através de ramos de árvores. A terceira era uma porta sólida de jacarandá com uma parte de vidro, e nesse vidro um risco esfumaçado que não permitia que se visse através com clareza.


5 º sessão 

23 de novembro de 1976 



Contou ao chegar que a sua língua era tão tensa que se abria, rígida, contra os maxilares superiores. Descobrira isto pela manhã; “soltara” a língua, relaxando-a, e ela ficou cheia, gorda. Começou a sentir como era antes e como nunca percebera. Disse-lhe que o gesto com que ilustrara a língua me lembrara uma cascavel. Contou que amava muito a avó materna; e que quando tinha dez anos, sua mãe contara que a avó traía o marido, que na verdade era pai de apenas uma de suas duas filhas. Contou também que houve uma época em que se recusava a afalar, sendo considerada burra (é inteligentíssima) por ter a língua presa. 

Comentou pela primeira vez comigo as sessões de duas amigas suas, que estão fazendo o trabalho comigo. 

Pedi que deitasse de bruços. Comecei a relaxá-la com o colchão. Depois, retirei-o e passei lentamente sobre seu corpo o plástico cheio de ar. Sem relaxar, virou o corpo e disse estar meio encabulada por excitar-se quando deitava de bruços. Disse ainda que o trabalho estava fazendo com que desabrochasse como mulher.

Induzi o Sapir e relaxou bastante. No final sentiu as arcadas dos olhos afundarem. Fez um gesto para mostrar e lembrei que foi esse mesmo gesto que usou na sessão anterior, para mostrar como ficara regredida no passado, a ponto de fazer caretas. 

 

6º sessao

29 de novembro de 1976 


Aumentou o preço da a hora e pagou como tinha proposto, logo ao chegar. Mostrou o olho esquerdo, muito vermelho devido a um derrame. Disse que foi provocado por problemas com o filho. Contou depois que esteve em casa de X e conheceu uma moça que lhe telefonou do dia seguinte para dizer uma coisa a seu respeito que ela já sabia: que ela já havia mudado a vida de muita gente com a sua intuição. Lembrou-me que me procurou antes de I., porque intuiu que meu trabalho era importante. 

Ficou lisonjeada com o telefonema mas sentia que perdera a inocência ao saber disto.  

Disse que resolveu mandar o filho para viver em companhia do pai e frisou: “Os nossos pais, que nada sabiam, nos criaram erroneamente e sem escrúpulos, porque não entendiam nada, e talvez por isso mesmo somos o que somos”.

Contou que chamara o filho mais velho para dividir com ele a responsabilidade, pois nunca ligara muito para o irmão. Dissera-lhe que o mesmo vai ficar muito só em Teresópolis e se acontecesse algo com ele, chamaria o mais velho para “cobrar” sua parte de responsabilidade. 

Disse não sentir mais a dor no ombro direito. Relaxou com a indução “Calor”, de Sapir, e tive que despertá-la, pois a hora havia acabado. Viveu na relaxação uma espécie de formigamento nas células, não como da vez em que pensou estar no útero, mas a relaxação ia até à testa e a cabeça ficou enorme, em forma de caixa, e era o controle para não perder o controle. 

Contou outra coisa importante depois que lembrei a sua feminilidade que está nascendo: estivera em casa de sua amiga J. e vira o seu quarto, que considerava “fresco”, e se encantou com toda essa “frescura”, e quer fazer em sua cama uns babados. Disse que quando casaraou, o seu sonho era vestir um “tailleur” branco, o masculino, e se via andando com um lírio na mão batendo em sua perna. 


7º sessão

9 de dezembro de1976


Disse que vivera a semana com uma sensação de ódio difuso. Relaxou pedindo a minha indução da Fronte. Toquei seu ventre, seu braço e levantei-a pelo tórax. Contou que quando toquei seu ventre ele começou a crescer como um suflê, a sua vagina se “alastrou” dentro de seu corpo, como se expandisse até o peito, como se cavasse o interior do corpo. Em seguida, sentiu que sua cabeça estava apoiada no ombro do amante, o mesmo ombro em que sentira o ursinho e em que sentira a barriga cavada pelo ombro do pai. 

Sentiu novamente a barriga cavada pelo ombro do pai. Contou que seu vizinho tem uma graúna que pia em vez de cantar, mas em uma manhã ela escutou o pássaro ensaiar um canto de amor e a bigorna ao lado repetiu esse som; ela achou que a graúna pensara ouvir uma resposta ao seu canto de amor. Quando perguntei sua percepção de tudo isso, ela disse que como tinha o seu próprio canto de amor, podia alucinar no lugar da graúna. 



8º sessão

13 de dezembro de 1976

 

Chegou com meia hora de atrazso e pedi que fizesse uma pequena relaxação. Li a indução “Calor”, de Sapir, e depois toquei-a, mas senti que não havia tempo nem preparação para nenhuma percepção. Coloquei o grande falus em seu peito. Ela viveu-o como o trilho de um trem para viajar. Depois, desci-o até suas pernas, ela pensou que era um objeto de ferro. Coloquei-o como se ela estivesse em ereção como um homem. Sentiu então que era um prolongamento do seu sexo. Contou depois que outro dia escutara o barulho de um tambor africano e que seu períneo pulsava no mesmo ritmo. Achou isso sensacional. 

 

9º sessão 

20 de dezembro de 1976

Pedi que me falasse sobre a relação sexual com o amante. Disse meio encabulada que cresceu de tal maneira as suas necessidades que ela chega a telefonar pedindo-lhe que venha fazer amor com ela, e que ele também sente tesão à noite, em sua casa. Moram separados. Encabulado, ele diz que está tendo poluções noturnas e quer levá-la para uma viagem ao exterior. Ela contou que aprendera várias coisas: está se defendendo, não aceita mais as “batatas quentes” que antes lhe jogavam; enfim está na encontrou a justa medida de seu poder. E aprendera a se poupar mesmo em relação à compulsividade do filho, está habilidosa, se dá mais tempo para pensar e não o deixa “emprensá-la”. 

Conversamos a respeito do derrame em seu olho. No dia em que erotisou aqui ao deitar de bruços, não me contara que fantasiara contrair uma doença na colcha do “puteiro” e daí o olho infectado. Jogamos com o simbólico e o real, no plano da fantasia e do corpo ter sido realmente erotizado num puteiro ela contou ter ficado com o rosto todo picado, como que com uma alergia, depois de ter pensado na doença. Relaxou como despedida, dei alta e li a indução “Respiração”, de Sapir.

Toquei longamente suas mãos, sua testa, seu ventre e fiz a “ponte”: com minha mão embaixo da sua, com uma pedra, coloquei o paninho por cima para depois retirar docemente a mão, deixando a pedra e o paninho no seu braço. Teve a percepção de que todas as mãos que passaram pela sua fugiam, mas ficou a pedra que, para ela, era ela mesma, e que para mim era o que ficara depois de cada ligação desfeita: o que foi dado, ninguém tira. Pediu para levar a pedra com ela. 

            


10º sessão

25 de janeiro de 1977


Pediu uma entrevista e disse ter dificuldades com os filhos e a empregada. Descobriu que sempre fora radical ao cortar alguém de sua vida. Depois de muito falar, descobrimos que o medo era de um possível rompimento com o amante. Teve uma espécie de retrocesso em seu processo e falou em começar o curso do Carneiro Leão como a coisa mais excitante que ela vivia: tinha na realidade 65 anos e nesta idade só se pode fazer isso. Falou na sua dificuldade em pedir ajuda à mãe, pois ela também está muito frágil. 

Disse que precisa do apoio de um ombro. “Perdi o contorno do meu rosto”, comentou. Disse também pela primeira vez que o amante é casado com uma de suas amigas e que tem uma filha. Ela os freqüenta e tem muita pena da mulher dele, que é muito passiva mas tem o poder nas mãos em sua casa, controla tudo, desde o drinque até os copos. Manifestou o medo de tornar-se igual, caso fosse morar com o amamnte.


11º sessão 

2 de fevereiro de 1977



Chegou com 15 minutos de atrazso, disse que dormiu e não acordou a tempo. Comentou longamente que conhecera um homem maravilhoso e tivera um desentendimento com o amante. Depois, de uma maneira sutil, disse que falaria algo, que eu interpretasse como quisesse: estava se tratando com o X e já perdera quatro quilos; seus dentes estavam ficando maravilhosos, perdia a celulite. E que D, antes tão gorda, fora transformada em um “broto” por este médico. Depois de muito falar, sugeriu que eu fosse consultá-lo. Perguntei, no plano simbólico, se achava ter me “estragado”. Disse que talvez sim, pois eu andava muito cansada e ainda a “financiava”. 

Levantou-se como se o seu tempo houvesse acabado. Convidei-a a sentar-se, pois restavam sete minutos. Ela contou então que tinha comprado para sua mãe dois pares de sapatos como presente de aniversário. A mãe recebeu muito mal o presente e devolverau um par, dizendo que não gostara. Levantou-se e disse: “Que parada, esta mãe, como disse L uma vez. Por pior que eu a internalizasse, ela era pior do que a imagem que eu fazia dela”. Depois, olhou-me e disse: “Logo hoje, que estou de tamancões, você esta descalça...” 

 

12ª sessão 

9 de fevereiro de 1977


Perdeu a tia-mãe sem nenhum luto, reviveu as traições da tia, sua desidealizaçãoo. Lembrou como a espionava, sua língua de víbora. Relaxou bem, dormiu. 

Coloquei o objeto relacional que pulsa ao lado da barriga, para que não vivesse muito a morte; nos pés um plástico cheio de ar para que ela os sentisse com base no chão. 

       


13º sessão 

16 de fevereiro de 1977 


Queixou-se muito do filho, depois relaxou, com sacos de água na cabeça a sacos de ar nos pés. Li o texto de Sapir, depois passei a mão em sua testa, no ventre e nos olhos, peguei a sua mão. Disse que se sentiu inteira depois destes toques. Via-se no alto; embaixo, o seu projeto estava pronto. Depois, viu-se na paisagem embaixo de árvores, com uma grande extensão de areia branca que se descortinava à sua frente. 

Fechou novamente os olhos, li outra pequena indução sobre o calor na praia. Lembrou-se do namorado e pensou no que estaria fazendo no norte, sozinho, se estaria com alguma outra. Abriu os olhos com a garganta apertada, ciúmes. Falou na mulher dele, que toma muito espaço em sua vida e não lhe dá possibilidade de arranjar outra “por falta de tempo”. E a preenchia /só a parte boa, idealizada, e não se engajava na relação inteira. Confessou que a outra lhe era útil: era tão repressora, tão pobre e chata que a fazia sentir-se maravilhosa quando estava ao seu lado. Lamentou ser obrigada à comparação para sentir-se bem. 



     

ID
65768